"Cerca de 20 administradores acumulavam funções em 30 ou mais empresas distintas, ocupando, em conjunto, mais de mil lugares de administração, entre eles os das sociedades cotadas" (Relatório anual sobre o Governo das Sociedades Cotadas em Portugal, ontem divulgado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) referente ao ano de 2009, aqui citado).
Que há por aí muita gente, ao nível de administradores de empresas, que tem o "dom da ubiquidade" já era uma realidade relativamente bem conhecida, sendo certo que, nalguns casos, a acumulação de funções de administração em mais do que uma empresa até pode ter justificação económica racional. Não é, porém e seguramente, o caso dos 20 administradores a que se refere o relatório, porque, quando se atinge um tal grau de "ubiquidade", é impossível (por paradoxal que pareça) ter tempo para administrar seja o que for. Ou antes, talvez ainda haja tempo para passar pelas empresas para tratar das próprias remunerações, em regra, chorudas, pois segundo o mesmo relatório, os 20 recordistas e os demais administradores na mesma situação (de acumulação) recebiam, em média, à data a que se reporta o relatório, por cada um dos lugares ocupados, "297 mil euros por ano, ou, no caso de serem administradores executivos, 513 mil euros".
A acumulação de remunerações, quando atinge valores escandalosos, é naturalmente censurável, mas, do meu ponto de vista, não é principalmente por aí que "o gato vai às filhoses". O mais grave é que a acumulação de funções de administração, quando se atinge o ponto que o relatório documenta, tem, forçosamente, reflexos negativos ao nível da qualidade da gestão e, logo, no plano da produtividade da empresa e da competitividade da economia. E igualmente grave é o facto que se pode deduzir do relatório de que nem todas as decisões são tomadas em função do interesse das empresas, nem dos sócios em geral, mas apenas e só em função dos interesses dos grandes accionistas que são quem tudo manda e quem ocupa, directamente ou por interposta pessoa, os lugares de administração.
Só assim se explica o alerta sobre o assunto deixado pela CMVM aos accionistas, alerta que corre o risco de cair em saco roto, exactamente porque os pequenos accionistas não têm voz activa na gestão e na vida das empresas. Todavia, o alerta não deixa de ser importante: a população em geral fica a saber (se é que ainda alguém tinha dúvidas sobre isso) que o sector privado é bem menos transparente que o sector público e que o sacrossanto "mercado" pode ser tudo, menos santo.
Só assim se explica o alerta sobre o assunto deixado pela CMVM aos accionistas, alerta que corre o risco de cair em saco roto, exactamente porque os pequenos accionistas não têm voz activa na gestão e na vida das empresas. Todavia, o alerta não deixa de ser importante: a população em geral fica a saber (se é que ainda alguém tinha dúvidas sobre isso) que o sector privado é bem menos transparente que o sector público e que o sacrossanto "mercado" pode ser tudo, menos santo.
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