segunda-feira, 10 de setembro de 2012

" A pobreza de espírito de Gaspar"


"Há muito pobreza nesta nova austeridade. Pobreza de raciocínio (são propostas mal estruturadas), pobreza de espírito (na forma como foram pensadas a apresentadas) e pobreza na sua forma mais pura, de empobrecimento permanente e prolongado, desestruturante e descompensado.
Há três pequenos exemplos que ilustram bem a primeira parte e a pobreza de raciocínio, sem precisarmos de ir a grandes números. Primeiro, Passos omitiu o verdadeiro impacto dos subsídios no privado, já que espera tirar um salário/subsídio bruto, quando sabe que isso representa mais do um salário líquido. Dois, Gaspar pensou um modelo onde um salário mínimo (485 euros) perde 33 euros mês para só receber o resto um ano depois (em IRS). Três, quem fique no desemprego recebe um subsídio menor porque já sofreu um corte no salário líquido que servia antes como referência. Sobre estes três efeitos, Passos não disse nada, mas são buracos no raciocínio de quem quer salvar o país.
A segunda parte – a pobreza de espírito – é mais grave. Refugiado em modelos econométricos que projetam menos desemprego e défice externo, Gaspar é um contabilista numa redoma, feliz com a opção criativa que encontrou para precipitar a desvalorização que a troika queria, mas que pode não resolver nada. Perguntem aos empresários o que os assusta mais: se a poupança mensal na TSU, se o afundanço do consumo das famílias.
A tudo isto, Gaspar responde com duas ideias: menos dívida, mais exportações, mais competitividade. Tem razão, mas é aí que se vê o retrato do futuro do país: pobre e descapitalizado, a emigrar talento e produção. É curioso que Passos não tenha partilhado as novas previsões para o PIB do próximo ano: aí teríamos uma ideia real da desgraça e da contração no consumo das famílias.
A pobreza de espírito também está na forma como tudo isto foi anunciado. Passos teve a coragem de apresentar de cara as medidas, mas não é admissível que um Governo (que queria uma central de comunicação) não tenha criado um guia explicativo para os portugueses. Quanto vou perder? E se receber o salário mínimo? Isto incide sobre o salário bruto ou líquido? E as empresas? Continua a haver crédito fiscal sobre a segurança social? Quanto tempo dura isto tudo? Para tudo isto, Governo tem um redondo “veremos depois no detalhe", como se o trabalho ficasse feito no susto geral que pregaram ao país. Não fica. Mesmo.
Tudo Isto acaba onde eu comecei,  na pobreza geral. Havia alternativa? Havia, num debate amplo e alargado sobre o que Estado deve fazer, pagar, subsidiar. Podia não ser solução a curto prazo - há um défice para cumprir - mas é um caminho que tem de ser feito. Assim, como está, este Estado não é social nem é nada: é um arremedo de garantias (cada vez mais pequenas) com um manto de impostos (cada vez mais grossos). Gaspar, o homem do Excel (leiam aqui) e Passos, líder e CEO, querem apontar o país para o futuro. Deviam estar mais preocupados com o presente."
(Título e texto de Miguel Pacheco. Na íntegra aqui)

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