domingo, 30 de novembro de 2008

A pedra no sapato

Por muito surpreendentes que possam parecer as palavras dirigidas por Jerónimo de Sousa, no discurso de abertura do XVIII Congresso do PCP, contra o Bloco de Esquerda (BE) (a quem acusou de "indefinição ideológica"; e de ter um "carácter social-democratizante disfarçado por um radicalismo verbal esquerdizante", para concluir que "A sua fixação é o PCP e a sua concorrência é sempre contra o PCP, caindo muitas vezes no anticomunismo") manda a verdade que se diga que são perfeitamente compreensíveis, se se atentar nos principais objectivos do partido.
O PCP tem, a meu ver, neste momento, dois objectivos claros: Por um lado o PCP tenta à outrance impedir a obtenção de uma maioria por parte do PS nas próximas eleições (daí os constantes ataques ao PS e ao Governo, servindo-se de toda e qualquer contestação a que puder deitar a mão e daí também que se não ouçam, nesta altura, ataques à direita, por parte do PCP e se assista até a alguma convergência com o PSD, partido que lhe convém não debilitar); por outro lado, quer manter, a todo o custo, a liderança do "povo de esquerda", já que se considera como o partido de vanguarda das classes trabalhadoras.
Qualquer destes objectivos é importante para o PCP, afigurando-se-me, no entanto que para o PCP, o segundo é (por estranho que pareça) mais importante que o primeiro.
Porquê ? Pergunto e respondo:
Se o PCP desse prioridade ao primeiro objectivo, parece óbvio que privilegiaria o diálogo e a convergência com todas as forças à esquerda do PS, até porque sabe que há pessoas que nunca votarão no PCP (por recusa dos modelos que propõe - vide Teses), mas não terão qualquer dificuldade em votar no BE (até pela "indefinição ideológica" de que o PCP o acusa e, neste caso, com certa razão).
Ora não é isso o que temos visto. Na verdade, toda a estratégia do PCP, nos últimos tempos, tem sido no sentido de se desmarcar das iniciativas levadas a cabo pelas forças de esquerda, incluindo a dita ala esquerda do PS.
Torna-se assim evidente que, mais que derrotar a direita (assunto nem considerado) e mais que impedir o PS de alcançar a maioria nas eleições, importa ao PCP conservar a imagem mítica de partido da vanguarda da classe operária (ou da classe trabalhadora, conceito mais abrangente) imagem que colou a si próprio e que é particularmente atractiva para os sectores mais saudosistas da sua militância e do seu eleitorado, pois lembra a heroicidade de outros tempos. E saudosismo no PCP é coisa que não falta, como ainda agora se viu no Congresso.
O BE, surge, neste ponto de vista, como um obstáculo inesperado (uma verdadeira pedra no sapato) até porque vão sendo cada vez mais frequentes as indicações das sondagens de opinião (a última vem publicada no semanário Económico de ontem) no sentido de o BE poder vir a ultrapassar o PCP, em termos eleitorais, pese embora a muito superior organização deste partido.
Esse facto constituiria uma situação particularmente traumática para o PCP, porque poria em causa a liderança da "esquerda da esquerda" e, de certo modo, representaria a queda de um mito (muito cultivado pelo partido). Ora, com mitos não se brinca, sobretudo quando os mitos já têm a consolidação de largas décadas, como é o caso.
Concluiria dizendo, que, ou muito me engano, ou os "ataques" do PCP dirigidos ao BE, (mais ou menos subtis, conforme as circunstâncias) vão ter continuidade, a menos que o BE aceite uma posição de subalternidade, hipótese que não me parece muito provável, mas que não descarto por inteiro.
Adenda:
Entretando, Francisco Louçã já reagiu considerando as palavras de Jerónimo de Sousa o “ataque mais sectário jamais feito ao Bloco de Esquerda” e, neste caso, é difícil não concordar com ele.
Actualização: No discurso de encerramento do XVIII Congresso do PCP, Jerónimo de Sousa parece confirmar a análise aqui expendida, ao fechar a porta a entendimentos com o Bloco de Esquerda e o PS, e ao apelar a uma "ampla frente social", liderada pelo PCP, claro está.
O PCP, embora vote à porta fechada, começa a ficar muito transparente, até para analistas de meia tijela, como é o meu caso.
Actualização (7/12): Vira o disco e toca o mesmo ! Aqui.
(A pedra, como se vê, é grande e veio de longe)

1 comentário:

Anónimo disse...

mais do que não se brincar com mitos, têm de se ter em conta. Com razão dizia o poeta Fernando Pessoa que "o mito é um nada que é tudo" - de facto os mitos sempre tiveram força em toda história. E assim se compreende o caminho trilhado pelo PCP, quase ignorando a direita e preferindo hostilizar uma esquerda que lhe pode tirar a primazia desse quadrante, onde também se situa. Mas o futuro nos dirá o que lhe estará reservado!