Mais um excelente texto de José Vítor Malheiros publicado ontem na edição impressa do "Público" (sem link), com o título em epígrafe, que tomo a liberdade de transcrever parcialmente:
"(...) Uma grande parte da política passa por criar e tentar impor na arena social, na imprensa, no debate político, determinadas visões do mundo - determinadas narrativas -, como bem sabem os mestres da propaganda. Mas essas narrativas são construídas por palavras e, quando determinados termos se impõem, há narrativas que se organizam quase naturalmente à sua volta.
Tomemos a "ajuda". "Ajuda" é uma coisa boa. Todos gostamos de ajudar, todos gostamos de ser ajudados. Não é fácil criar uma narrativa onde o mau da fita é alguém que "ajuda". Quem ajuda é, forçosamente, nosso amigo.
E como apareceu a expressão "ajuda financeira"? De facto, aquilo que designamos por "ajuda financeira" é, simplesmente, um empréstimo. E empréstimo é não só uma expressão mais correcta como mais neutra. Sabemos isso porque há empréstimos que nos aliviam e outros que nos entalam. É possível criar narrativas diferentes à volta da expressão "empréstimo". Posso dizer "aquele empréstimo permitiu-lhe salvar a empresa" ou "o que o levou à falência foi aquele empréstimo". Posso dizer que o "empréstimo negociado com a troika tem um juro usurário", mas já não o posso dizer se lhe chamar "ajuda". As palavras não deixam. Um "resgate" também é uma coisa boa. Salva-nos. Não é possível dizer nada de mau de quem nos resgata. (...)"
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Curiosamente, também aqui no blogue se referiram, ontem, exemplos de uso das palavras, para criar uma narrativa que, não correspondendo à realidade, tem a virtualidade de a esconder. Ontem foi a vez do ministro Gaspar (das Finanças) e do ministro Álvaro (da Economia). Hoje é o secretário Moedas a usar da mesma técnica. Diz ele (Moedas) que a economia portuguesa se está a "ajustar rapidamente". "Ajustar", como diria o José Vítor Malheiros, é uma coisa boa. Quem é que não gosta que as coisas se ajustem? Porém, se Moedas dissesse que "a economia portuguesa está a contrair-se mais do que o previsto", como acontece na realidade, já seria uma coisa má.
Isto só para dizer que os actuais governantes podem não saber como fazer crescer a economia; podem não conseguir conquistar a confiança dos mercados, mas de propaganda sabem eles. Muito, como se vê pelos exemplos.