«É cada vez mais provável que 2015 venha a representar um ano de viragem para o futuro da Europa.
(...)
O desemprego jovem atinge 54% em Espanha, 50% na Grécia, 34% em Portugal. A pobreza, absoluta e relativa, tem alastrado a um ponto que julgávamos já impossível na Europa. A crise eterniza-se, sem fim à vista, enquanto os direitos dos cidadãos não param de reduzir-se.
Toda esta devastação e todo este sofrimento eram e são evitáveis. Não são o resultado de um qualquer deus ex-machina, mas de escolhas políticas.
A escolha de implementar, ao longo de anos, sucessivas rondas de "reformas estruturais" destinadas a promover a "competitividade", que mais não constituem do que uma corrida para o fundo em matéria fiscal e de regulação laboral, a qual tem deixado todos atolados no pântano da desigualdade, da precariedade, da financeirização e da escassez de recursos à disposição dos Estados.
A escolha de abdicar da autonomia cambial e monetária, confiando numa mágica convergência real que faltou ao encontro e enviou em seu lugar endividamento externo galopante e divergência.
A escolha de, em face de crises de dívida pública, salvaguardar os direitos adquiridos dos credores, penalizar os cidadãos e substituir gradualmente os credores privados por empréstimos internacionais públicos de modo a que os inevitáveis defaults, quando ocorrerem, penalizem novamente cidadãos e não instituições financeiras.
A escolha de vedar institucionalmente a possibilidade do Banco Central eliminar, por via da inflação, o endividamento privado acumulado, que constitui hoje o fardo maior que pesa sobre a economia europeia.
Não são escolhas fáceis de inverter. Mas são as questões decisivas nos dias que correm e o centro político nem sequer tenta, nem sequer quer invertê-las. (...)
Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca acabe, como diz o ditado. Seria sempre uma questão de tempo até que esta economia política da estagnação e da subjugação começasse a ser posta em causa. Ao que tudo indica, isso poderá suceder em primeiro lugar na Grécia, com a possível eleição iminente do primeiro governo que promete começar a enfrentar seriamente estas estruturas de dominação .
São ainda muitas as barreiras que o Syriza tem pela frente : terá de vencer as eleições; terá de conseguir formar governo; terá de manter-se fiel, não obstante todas as pressões nacionais e internacionais em contrário, aos compromissos que o terão feito eleger. E depois disso terá de saber enfrentar as represálias das instâncias políticas e económicas que não estarão dispostas a assistir de braços cruzados a que seja posta em causa a ordem em que assenta a sua dominação.
Um tal governo, e o povo que o eleger, precisarão sobretudo de muita coragem - como outros, nós incluídos, mais cedo ou mais tarde precisarão também. E isso faz com que não seja certo que seja para já, como não é certo que a Grécia seja bem sucedida desde já. Mas nalgum momento, nalgum local, acontecerá. Porque a roda da história não pára e, mais cedo ou mais tarde, há sempre quem decida viver corajosamente.»
(Alexandre Abreu; "O ano de viver corajosamente". Na íntegra: aqui. Destaques meus.)