- Ó Relvas, como podes imaginar, estou completamente desapontado. Então não é que os rapazes da Troyka, em especial os do FMI, que eram tidos como uns tipos duros, acabam por nos sair uns frouxos que tiveram o desplante de apresentar um programa de ajuda externa que está longe das nossas exigências em matéria de liberalização. Vê-me só estes exemplos:
- o nosso primeiro cavalo de batalha (rever a Constituição) foi por água a baixo;
- não há despedimentos para ninguém na função pública, nem despedimentos sem justa causa, (e lá se vai outro cavalo de batalha);
- ao contrário do que venho vindo a propor, com tanto empenho, a Caixa Geral de Depósitos não vai ser privatizada
- o desmantelamento, que há muito defendemos, do Serviço Nacional de Saúde e da escola pública, está fora de causa; e
- em matéria de segurança social, mantém-se tudo como dantes e lá se vai também o plafonamento, essa ideia que nos é tão cara.
E, infelizmente, as coisas não ficam por aqui, vê lá tu:
I- Não se acaba nem com o 13.º mês, nem com o 14.º mês dos trabalhadores, nem dos reformados;
II- Não há mais cortes nos salários da função pública, nem redução do salário mínimo.
Já viste ? Isto é o cúmulo!
- Ó Pedro, já vi isso tudo e até te digo mais: o programa até parece feito à medida do Sócrates.
- Pois é. O grande sacana lá conseguiu, uma vez mais, levar a água ao seu moinho.
- É verdade, mas olha que nós também contribuímos para este "belo" resultado.
- Contribuímos como ?
- Ora, não fizemos outra coisa senão asneiras.
- Asneiras ? A que asneiras te referes ?
- Olha, refiro-me ao chumbo do PEC IV, à escolha do Catroga para chefiar a delegação negociadora, às cartas dirigidas ao Governo e à "Troyka" pondo em causa a veracidade das contas públicas, à "brilhante" ideia de andar a soprar aos órgãos de comunicação social notícias alarmistas que se vieram a revelar contraproducentes.
- Já chega, não digas mais. Até parece que tu não tiveste nada a ver com tudo isto.
- Se queres saber, tive e não tive. O chumbo do PEC e a escolha do Catroga foram decisões tuas. Lembro-te que na manhã do dia em que anunciaste o chumbo do PEC, manifestei-me favoravel à sua aprovação. Quanto ao Catroga não fui havido, nem achado.
- É verdade, tens razão no que dizes, mas também é verdade que eu não fui o único responsável, embora não te possa, por enquanto, adiantar mais nada. Já quanto à escolha do Catroga posso dizer-te que aí andou o dedo de Cavaco. E não me digas que não gostaste da prestação do Catroga a responder à declaração do Sócrates ?
- Prestação, dizes tu. Eu diria antes "imprestação". Aliás, toda a acção por ele desenvolvida, durante a negociação, enquanto tu andavas a fazer "farófias" pelas revistas cor-de-rosa, foi um perfeito desastre, um "não-presta" completo. Vê o caso das cartas. Sei que tinha o propósito de malhar no Governo, dando a entender que as contas públicas escondiam os tais "esqueletos no armário", mas a verdade é que a "Troyka" não só não encontrou esqueletos a não ser os "esqueletos" escondidos pelo Alberto João, na Madeira, como não ligou nenhuma às cartas que, imagina, foram parar ao caixote do lixo.
- Eh pá, estou a ver que estás muito pessimista!
- E achas que não tenho razão ? Vê o fiasco das notícias plantadas nos jornais. Como vieram a revelar-se falsas acabaram por ter como efeito virar-se o feitiço contra o feiticeiro.
- Desculpa lá, mas nesse caso, nem tudo está perdido. Ainda vamos a tempo de dar a volta ao texto. Não sei se sabes, mas já pus a circular a versão de que quem plantou as notícias foi gente do PS.
- E tu julgas, por acaso, que as pessoas são parvas ? Pensas que as pessoas não sabem a quem é que favorecia o alarmismo das manchetes e, se calhar, também julgas que não sabem que, nesta altura, as administrações, as direcções e as redacções de tudo quanto é media são de gente nossa que, em caso nenhum, faria um tal frete ao PS ?
- Achas que é assim ? Recordo-te que ainda há dias dizias tu que há muita gente que gosta de ser enganada.
- Não confundas um exercício de demagogia com aquilo que penso realmente.
- Pelo que dizes, parece que caminhamos para um desastre. Não te esqueças, porém, que ainda podemos contar com o Portas.
-Qual Portas ? O que tu desconsideraste quando te propôs a formação duma coligação pre-eleitoral ? Não penses mais no Portas como um amigo. É mais avisado considerá-lo como um adversário a temer. Lembra-te que o Portas tem sabido cavalgar a onda e já não esconde que pretende discutir contigo o lugar de primeiro-ministro.
- Não me digas ! Já chegámos a tal ponto ?
- Já e se queres saber sempre te digo que não é o país que está na bancarrota, como temos andado a apregoar, facto que a "Troyka", no fundo, acaba por desmentir. Quem está na bancarrota e em descrédito completo, somos nós!
(Cai o pano)