segunda-feira, 20 de abril de 2009

A vindicta ?

Depois de privatizado o Notariado por governos anteriores, o actual Governo, não só reassumiu o exercício das funções próprias dos notários, através das Conservatórias dos Registos, como permitiu que os actos notariais (em geral) pudessem também ser praticados livremente por advogados, solicitadores e tutti quanti, com evidente desprezo por quem, ao aceitar exercer funções notariais, com o novo estatuto de profissional liberal, se viu forçado a fazer enormes despesas com a instalação dos seus cartórios, de acordo, aliás, com as regras e exigências do poder executivo.
O Estado, não há a mínima dúvida, através do actual Governo, não se portou em relação aos notários, como pessoa de bem . Sendo isto indiscutível, é também um facto que os notários têm, por tudo isso, profundas razões de queixa em relação ao actual Governo.
Tal não justifica, porém, o comportamento da Ordem dos Notários ao enviar, "no início do ano uma mensagem de correio electrónico aos profissionais responsáveis pelos mais de 400 cartórios notariais do país a pedir informações sobre as escrituras públicas em que intervieram o primeiro-ministro, José Sócrates, a sua mãe, e alguns dos suspeitos envolvidos no caso Freeport."
E não fica bem, porque, não tendo justificação, tem o sabor a vindicta. Isto, quer o envio da mensagem tenha sido por iniciativa da Ordem, quer tenha sido, como alega a respectiva bastonária, a pedido de um jornalista de investigação. O facto de os arquivos notariais serem públicos, não significa a sua devassa generalizada, pois a par da publicidade dos arquivos, a lei também impõe aos notários o dever de sigilo.
Ora, se bem entendo os dois conceitos (arquivo público e dever de sigilo) parece-me que a mensagem, se for seguida pelos destinatários, vai violar tal dever, o que é grave, pois a Ordem, do meu ponto de vista, com tal atitude não só ultrapassou as suas competências, como aceitou pôr-se ao serviço de um qualquer, seja "jornalista de investigação" (seja lá isso o que for), seja qualquer outra coisa. Arquivo "público" é uma coisa, devassa e delação (que é o que está em causa) são coisas bem diferentes.
A Ordem dos Notários, com esta "estória" sai desprestigiada e os notários comem por tabela. Digo eu.
Adenda:
O secretário de Estado da Justiça considera o pedido feito pela Ordem dos Notários “muito grave” e eu, pelo que já disse anteriormente, concordo, embora também seja verdade que o referido secretário de Estado, não sendo notário, "tem muitas culpas no cartório", a começar pelo facto de fazer reformas sem considerar os legítimos direitos e expectativas criadas pelo próprio Estado que, já o disse, não respeitou os seus próprios compromissos. E, por vezes, o ressentimento (nesta matéria, mais que justificado) leva à tomada de atitudes lamentáveis. É o caso.
Adenda 2:
Outro entendimento tem o ex-bastonário da Ordem dos Notários, com quem concordo quando afirma quando o Estado não é cumpridor ao permitir que a Conservatória dos Registos Centrais mantenha por organizar o ficheiro central de escrituras, facto tanto mais escandaloso quanto é verdade que continua a impor aos notários a obrigação de remeter à dita Conservatória o extracto das escrituras por eles lavradas.
Concordo igualmente com a crítica que, no geral, dirige à posição do secretário de Estado da Justiça, tendo em conta a informação prestada e a que adiante me referirei. Já não me parece que se justifique a suspeição sobre a motivação do governante e menos ainda a interrogação sobre se a "cruzada" contra os notários se ficará, porventura, a dever ao facto de a alguns governantes não interessar "a transparência e o rigor que a escritura pública assegura", até porque o problema da desorganização do ficheiro central de escrituras não é de agora, pois já tem décadas.
Confesso que ignorava por completo que a Ordem dos Notários, em nome do interesse público, tem vindo a prestar, gratuita e regularmente, a qualquer cidadão que o requeira, o serviço de localizar as escrituras de que pretenda extrair certidões.
Se assim é, embora me pareça que não caberia à Ordem dos Notários a prestação de tal serviço, deixa de fazer sentido o meu arrazoado sobre o caso. Se a prestação da informação sobre a existência de escrituras de A ou B, é prática corrente e assumida como serviço ao público, não tem razão de ser a minha interrogação sobre a existência ou não de vindicta.
Sem pôr em causa a informação do senhor ex-bastonário, admira-me, em todo caso, que no site da Ordem não se encontre qualquer sinal da existência de tal serviço. Eu, pelo menos, em visita efectuada a http://www.notarios.pt/OrdemNotarios/pt não o encontrei.

9 comentários:

Anónimo disse...

Caro Dr.

Dada a sua ocupação ("direito/lei"),tenho alguma dificuldade em entender o seu "post". Como sabe, os dados que constam dos arquivos que são divulgados não são dados sujeitos a sigilo. Nem tal faria qualquer sentido. Assim, quando qualquer de nós celebra, por exemplo, uma escritura pública de compra e venda, está a celebrar um acto público, acessível a todos. Quem quiser ler essa escritura não tem que apresentar qualquer justificação. É a lei dos países civilizados, como sabe. Daqueles sítios onde o sigilo serve para proteger a intimidade e os legitimos interesses dos cidadãos.

Certo de que a moderação de comentários não é, no seu caso, censura,
Cordiais cumprimentos,

P.S. Não sou notário, nem militante do PS

Anónimo disse...

Não sou Notária e se calhar nem gosto muito de alguns Notários. Reconheço a função e acho-a muito importante pela segurança que dá aos cidadãos nos seus negócios.

Claro que isto (da recolha de dados) tem o sabor de que fala, mas tem graça, porque para sacana, sacana e meio, como diria o outro.
Há, porém, um aspecto em que tb estou de acordo consigo e que passa despercebido: trata-se de quem (qui, who, wer) tramou os Notários, quem não foi honesto com eles.
Estou de acordo e é indiscutível que houve engano e malandrice e tenho que reconhecer essa razão aos Notários.

Sim, foi o Governo do Partido Socialista chefiado pelo actual PM que desonrou o Estado.

Mas eu como cidadão pagador de impostos, não estou disposto a vê-los agravados para que os notários sejam compensados pelos prejuízos que tiveram.
Recuso-me a aprovar leis que desresponsabilizem os agentes do Estado ou dificultem que este tipo de governantes (sejam ministros, Presidentes de Institutos Públicos ou outros que fazem passar este tipo de medidas propondo-as), deixe de pagar do seu bolso estas indemnizações.
Escrevi do "SEU BOLSO".
Portanto, enquanto tivermos um Presidente com medo que o Estado vá à falencia por ter de pagar todos os disparates dos governantes, sem se preocupar em obrigar a fazer leis que metam na ordem e responasabilizem este tipo de gentinha, temos o caldo entornado e toda esta bagunça de país de galfarros.
Também não aprecio a santidade de certas pessoas: eles, são os agentes da justiça, que, mal lhes põem a tabuleta na testa de "magistrado" logo viram deuses e infalíveis e intocáveis, eles são ministros etc. que, logo que tomam posse, se transmutam em preclaros e iluminados e à prova de qualquer suspeita, e por aí fora.
Depois de ser PM era impossível que tivesse uma mancha no seu passado do género de ter "sisado por baixo".
Enquanto, nós portugueses, tivermos menos consideração por essas pessoas devido a esse "pecado",
Enquanto acreditarmos que estas "santas" pessoas existem por aí a dar com um pau e que a isso "elas" resistiram pela sua genuína pureza (e por isso as temos como nossos timoneiros),
não vamos a lado nenhum!

Até porque, se assim não fora, ninguém compraria o prédio que desejava. As empresas e os empreiteiros precisavam daqueles dinheiros por fora para os seus sacos azuis e para as suas tropelias.
Só os cegos não viram isto e aferrolham a sua memória.

Até não estou muito em desacordo com a sentença do crime de corrupção do senhor de Braga aqui em Lisboa: o senhor juiz só interpretou o sentido da consciência do povo: só é corrompido quem quer, e só corrompe quem pode e na medida em que usar da vaselina bastante.

Somos brandos, todos, mansos, todos metemos uma "cunha" se nos deixarem e se se puserem a jeito quando a gente precisa mesmo.
E poderia ser de outro modo se tudo depende, Não de coisas objectivas e claras, Mas de opiniões e de certas sensibilidades... ?
As coisas estão desenhadas para meter "um empenho", para dar um "empurrãozito", mesmo sendo lícito o acto.

Percebe aquela "coisa marota" e tão bem arquitectada da prescrição do acto lícito e do acto ilícito?
Quer mais exemplos em outras áreas do Estado, seja da legislação autárquica, ambiente, pesca etc.?

Já viu aonde chega o requinte?
E ainda querem que os "anjos" do MP e da PJ cheguem lá a tempo e horas?

A começar pelas leis em geral, só se salva o Código Civil.

Zeus lhe pague e que seja generoso.
Receba um abraço desta anónima criatura que o estima.
Adriana Cerqueira Sabino

Anónimo disse...

Não foram sempre os governos do PS que promoveram a privatização do notariado?
O sr. PM era um homem tão puro nos seus princípios que recusasse e não consentisse num preço mais baixo na compra e venda de casas que era aquilo que toda a gente fazia?
Para benefício do comprador na sisa e do vendedor para engordar o saco azul?
Não me choca que toda a gente fique a saber que prédios compraram os envolvidos no Freeport.
Se o Sr. PM tiver alguma coisa a ver com isso, tal só significa que não é nem nunca foi um super-homem.
Ficaria mais satisfeito se tivesse uma pessoa normal (embora arrependida) a governar o país.

Francisco Clamote disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Eu percebo.
Um "bastonário" deve pautar-se por uma certa discrição no cargo, savoir faire ou fair play, pois que são funções públicas porque desempenhadas no interesse público e daí que se designe como "ORDEM" e só pode exceder-se quando os interesses da clase ou os públicos impuserem que desça do pedestal e desate à estalada.
Portanto, existem alguns "fumos de peixeirada", perdoe-se-me a expressão, nesta de reunir os ditos elementos para perturbar a paz devida ao nosso PM.
Portanto o nosso ilustre bloguista ao chamar-lhe "vindicta" só pecou ao usar um termo tão erudito e conotado com a Idade Média, no demais defendeu o recato.
Ao defender o recato tb não estou de acordo com ele.
Se este e os anteriores governos do PSD quisessem alguma transparência, agora, recentemente nas alterações que introduziram nos Registos e Notariado, teriam pura e simplesmente, utilizado a confluência de todos os documentos que titulam as transmissões na foz das Conservatórias do registo, para tornar públicos todos esse actos.
Claro que são públicos, mas é preciso saber o n.º da descrição predial, sem isso recusam e com isto já começaram há muitos anos a preparar as coisas para tudo ficar mais recatado!
Lembram-se do ficheiro pessoal das conservatórias que progressivamente proibiram o acesso?
Se os deputados e a classe dirigente deste país achasse que isso que era contra a transparência e ajudava à corrupção já teriam na assembleia da repúblic alterado isso.
E não fizeram porquê?

Portanto, os notários têm a Bastonária à medida deles, pese embora alguns não se reconheçam neste tipo de postura e também
NÓS OS PORTUGUESES TEMOS ESTAS LEIS E ESTE E OS OUTROS GOVERNOS QUE TIVEMOS NO PASSADO que deixaram a carroça ir andando e também não merecemos mais.

Mas não é bonito de ver.
Nisso tem razão amigo.

Francisco Clamote disse...

Respondo ao 1º Anónimo, porque os dois outros comentários não me dizem directamente respeito e tinhamos aqui pano para mangas.
O meu "post" é fácil de entender julgo eu e, visto não ser o caso, explico-me. Os actos notariais são públicos em regra (os testamentos não são) e, por conseguinte, qualquer pessoa pode dirigir-se ao notário e pedir cópia do acto notarial, como também poderá dirigir-se à Conservatória dos Registos Centrais pedir a informação, porque os notários são obrigados por lei a enviar à dita Conservatória um extracto dos actos lavrados nos chamados livros de notas, ou seja, das escrituras. Disse poderá, mas talvez devesse dizer "poderia" porque não sei se os dados enviados pelos notários estão em condições de poderem ser consultados.
Isto, no entanto, não significa que os notários possam e, ainda menos, devam andar a publicitar os actos lavrados nos seus cartórios, porque também têm o dever de reserva e, nalguns casos, até o dever de segredo. Por exemplo, além dos testamentos que são matéria sujeita a sigilo, o notário tem obrigação de segredo em relação a conversas mantidas com os outorgantes por ocasião ou na preparação das escrituras e a meu ver até em relação a factos de que teve conhecimento em resultado do exercício das suas funções.
Isto dito, também me parece evidente que a Ordem dos Notários, não tem competência para proceder como procedeu, pois ela foi criada para zelar pela defesa dos interesses dos notários e pela deontologia profissional e proceder à aplicação de sanções disciplinares, no âmbito do que está previsto no respectivo Estatuto. Seguramente, não tem competência para servir de intermediário de quem quer que seja na solicitação de informações aos notários. Estou tão certo disso que julgo não me enganar se disser que a generalidade dos notários não deu sequer seguimento ao pedido contido na mensagem. Eu, se fosse notário, teria enviado a mensagem para o caixote. Simplesmente.

Aproveitando o embalo, segue uma resposta breve à pergunta feita pelo 3º Anónimo:
A privatização do Notariado foi efectuada quando a Drª Celeste Cardona (do CDS) era ministra da Justiça.
Antes disso, mas ainda antes do Governo do Eng. Guterres, tenho ideia de ter havido por parte de alguns deputados do PS (Vera Jardim, suponho) um projecto no sentido da liberalização do Notariado (nessa altura ainda se não falava em privatização) mas ficou tudo em "águas de bacalhau". Com entrada do Dr. António Costa para ministro da Justiça, o PS mudou de orientação e aí começaram os agravos para com os notários. Aliás, se não estou em erro, o actual secretário de Estado com competência delegada em matéria de Notariado já era colaborador de António Costa e terá concluído o que eu chamaria o "plano Costa": Tirar aos notários para dar aos advogados e solicitadores. Por alguma razão, António Costa, foi, para José Miguel Júdice, então bastonário da Ordem dos Advogados, "o melhor ministro da Justiça". Pudera !

Anónimo disse...

Sim, eu também acho que a senhora bastonária faltou ao respeito ao senhor Primeiro Ministro com este acintoso pedido que não tinha que o fazer acho eu, ou houve requerimeto nesse sentido e o estauto da ordem impunha-o?
Não sei, aqui fica o meu desabafo.

Mas como se reconhece no post aqui comentado, o Governo do PS presidido pelo senhor Primeiro Ministro também não foi meigo para os Notários e até parece que foi mais longe do que frustrar-lhes as espectativas, mais parecendo ter-lhes causado prejuízos sérios sem que estes governantes tivessem sacado do seu bolso as indemnizações devidas.

Isto também mostra que não são pessoas de bem ao expôr o Estado a pedidos de indemnização que tenho alguma reminiscência de já ter visto isso noticiado.
Se fossem só os notários eu como cidadão ainda acharia que é uma excepção, um só erro, mas receio que esta pecha de o Estado não se assumir como pessoa de bem, já começa a ser agitada noutros sectores e começa a campear por aí com as desgraçadas famílias de Entre-os-Rios, com os Parques Naturais e as Reservas que desvalorizam a propriedade ou a expropriam parcelarmente e que o Mini. do Ambiente nem sequer pensa em promover as indeminizações pois até acha que o Estado nada deve pagar, são os funcionários publicos das Finanças que decidem de qualquer maneira e os contribuintes que se avenham com os tribunais, é a irresponsabilidade e a arrogância do quero posso e mando e se não concorda que recorra.
A mentalidade reinante é a da irresponsabilidade.
A polícia até anda a multar com inusitada ânsia os distraídos cidadãos enquanto os ladrões campeiam e os assaltos até são mato.
Até temos um presidente receoso que o país vá à falencia se todos desatarem a pedir indemnizações ao Estado.

Perante tanta falta de respeito pelos cidadãos, como podem as autoridades , esperar o seu respeito e a consideração?

Mas custa, ver tudo isto.

Anónimo disse...

Se me permite, apresento-me. Sou o primeiro anónimo. Se me permite, gostaria de esclarecer dois pequenos pontos, que me parecem muito simples.
1. Não consta que o e-mail enviado pedisse informações sobre o conteúdo de testamentos nem sobre o conteúdo de conversas com os outorgantes. Se assim foi... espere: não foi. O e-mail (e o meu comentário) referem-se a dados públicos, sobre actos públicos. A disponibilização da identidade dos outorgantes e do conteúdo de escrituras de compra e venda é obrigatória. E isso faz todo o sentido em Estados de Direito - serve o tráfego jurídico e a segurança. Nunca percebi como em Portugal se pensa que tudo o que é feito em serviços públicos é secreto e não pde ser divullgado. "Eles lá sabem", é o que se diz... No fim, temos confusões como a do Freeport.
2. O Estatuto da Ordem dos Notários é também público. Sugiro que perca algum tempo a consultá-lo.Antes de escrever.

Aproveitando o embalo, volto a repetir que, ocupando-se o Autor de leis, estranho todas estas confusões. Entre o recato e a democracia podemos todos escolher. Felizmente a maioria já escolheu há uns anos...

Francisco Clamote disse...

Agradeço a lição, mas não me parece que o recato e a democracia sejam incompatíveis. Nem me parece que o que está em causa tenha alguma coisa a ver com o recato. Tem sobretudo a ver com bom senso. Ms está no seu direito de achar o que muito bem entenda. Tal como eu. Com Estatuto aberto ou fechado.