1. O Governo tomou o freio fiscal nos dentes. Corre à desfilada. Cá dentro, suscita medo e revolta. E, curiosamente, vindo de fora ouve Durão Barroso afirmar que as políticas nacionais são da responsabilidade dos respetivos governos e Christine Lagarde aconselhar mais dois anos para o ajustamento orçamental português.
Nada que impressione quem se julga imbuído da divina missão de salvar o País, custe o que custar. Doa a quem doer. Acredite quem acreditar. Resista a economia o que resistir. Sofram as pessoas o que sofrerem.
O Governo com este orçamento fiscal está a ir perigosamente longe de mais. Divorcia-se do País e delapida definitivamente o consenso social que nos permitiu percorrer com conformismo os últimos meses.
Pedro Passos Coelho e Vítor Gaspar estão a colocar Portugal à beira de uma revolta social. Podem julgar que isso é coragem e determinismo histórico. Mas não. É apenas autismo e insensibilidade social.
2. Convém relembrar: há um ano havia um amplo consenso na sociedade nacional. O PS, envergonhado, tinha acertado os termos do resgate financeiro. Os portugueses que acreditam na União Europeia e no euro (ou seja, neste projeto político e social que ontem recebeu a bênção do Nobel da Paz num momento particularmente dramático da sua construção) estavam conscientes das dificuldades. Porque são sérios, queriam - e querem - pagar as dívidas. Sabiam que havia que encolher orçamentalmente, apertar o cinto para pagar anos de descontrolo do Estado e roubos como o BPN. Entregaram-se, pois, conscientemente a um período necessariamente longo de austeridade. Partidos, parceiros sociais, patrões e trabalhadores (com a CGTP, o PCP e o BE sempre de fora, como é hábito) comungavam todos a mesma visão de um país honrado.
O governo delapidou este consenso com aquilo que agora se sabe e durante muito tempo se tentou esconder ou subestimar: uma execução orçamental catastrófica. Passos Coelho incumpriu em duas vertentes, indo muito além nos impostos e falhando nos cortes daquilo que - dizia antes - tinha identificado como sendo as famosas "gorduras do Estado".
O desespero, mau conselheiro, por um lado e a troika, desiludida, por outro, desaguaram na TSU e iam voltando a parir outra genialidade: o IMI "à la carte".
3. No final ficou este Orçamento do Estado que tresanda a injustiça, descobriu ainda mais ricos num País cada vez mais pobre, vai aumentar a evasão fiscal, estimular a economia paralela, e vaticina uma espiral inflacionista que agravará a doença que se pretendia curar: o défice e a dívida.
O Governo tem ainda maioria no Parlamento (fragilizada, pronta a apunhalar-se mutuamente) e goza de uma legitimidade formal mas já está em desagregação. Boa parte do PSD e do CDS demarca-se todos os dias deste caminho de austeridade sem sentido que vai matar a frágil economia que temos, e que estava baseada no mercado interno agora arrasado.
Portugal está à beira de uma gravíssima crise social que mete tanto medo aos eleitos do Estado e demais políticos que estes já não têm vergonha de fazer comemorações à porta fechada enquanto se vão pondo de acordo nos caminhos a seguir no pós-Coelhismo.
Já só os fanáticos acreditam. Portugal vai estar a ferro e fogo socialmente e as consequências são imprevisíveis neste momento, colocando enormes problemas às forças de segurança. Não é alarmismo, é a realidade. Não há no Governo quem perceba isto?
(João Marcelino; "O freio nos dentes"; in DN)
1 comentário:
Já não deve faltar muito para termos o bom do Marcelino a gabar as políticas do anterior governo. Com paciência lá chegaremos.
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