sexta-feira, 25 de maio de 2012

O calado é o melhor ?

Pelos vistos ainda há quem pense que bico calado é o melhor e até há quem, do alto da cátedra,  o recomende. Como também ainda há quem ache o contrário e não esteja na disposição de seguir a recomendação aqui vão excertos de duas excelentes respostas de outros tantos autores que não estão pelos ajustes.

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"(...)
Segundo facto: o reitor de uma universidade pública afirmou, em reação a uma ação de protesto de estudantes contra os cortes no financiamento do ensino superior, que "se estivéssemos seis meses todos calados, não criássemos mais problemas do que os que já existem e deixássemos as coisas correr, daqui a seis meses, trabalhando, veríamos que as coisas até evoluíram melhor do que o que pensámos". O argumento do referido reitor é que "já chega o problema que temos, que é tão grave e estamos todos os dias a inventar novos números, coisas depressivas, os economistas a fazer previsões catastróficas que depois não se confirmam".
Não falemos, pois, do desemprego, nem da precariedade nem da perda dramática de valor dos salários e das pensões. Não falemos das entregas das casas aos bancos por incapacidade de pagamento dos empréstimos pelas famílias nem das falências em catadupa. Não falemos da subtração de dois meses de ordenado aos funcionários públicos, nem da subida em flecha das taxas moderadoras nem da emigração da geração jovem mais qualificada que o País já teve. Tudo realidades que só se agravaram porque demos crédito às previsões catastrofistas dos economistas, claro. Tivéssemos tido a lucidez de calar a nossa indignação - sempre precipitada e má conselheira - e nada disto teria acontecido. Não falemos, pois, do coiso, porque o coiso é uma invenção depressiva que desaparece se estivermos calados e concentrados no que realmente temos de fazer, que é trabalhar e não fazer política nem discutir o que não é da nossa conta.
E nem pensar em falar de empresários sem escrúpulos que surfam a onda da entronização do trabalho precário e da facilitação dos despedimentos para rasga- rem a lei, viverem da fraude e mandarem os mais elementares direitos de quem para eles trabalha às malvas. Isso não é depressivo, é injurioso. Ainda se falássemos dos pobres que vivem na preguiça ou dos grevistas que só querem privilégios...
(...)"
(José Manuel Pureza; "Está caladinho"; na íntegra: aqui)
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"Uma parte dos portugueses gosta de falar para mandar calar os outros. É o caso do senhor reitor da Universidade do Porto, que, numa entrevista, disse: "Acho que se estivéssemos seis meses todos calados, não criássemos mais problemas do que os que já existem e deixássemos as coisas correr, daqui a seis meses, trabalhando, veríamos que as coisas até evoluíram melhor do que o que pensámos." Outros são os que, indo a debates vários, desancam nos que vão a debates vários, porque se fala muito neste país e nada se faz. Não faltam anónimos que, em caixas de comentários, redes sociais e fora virtuais, passam o dia a dar o mesmo conselho: calem-se todos. Todos menos eles, que têm, obviamente, coisas interessantes para nos dizer.
Se formos simpáticos, esta ideia nasce de uma outra: a de que a palavra é oposto da ação. É um erro. Sem discussão, discordância, argumentos e conflito pela palavra não se acerta na solução e a ação é pior que não fazer nada. A palavra faz parte da ação. Ela mobiliza, questiona, analisa, põe em causa, promove. Sem ela estamos condenados ao disparate. Palavra que não age é inconsequente, é verdade. Mas ação que não se questiona é irresponsabilidade.
Para além de mandar calar os outros, uma parte dos portugueses passa o seu tempo a mandar os portugueses trabalhar. É um hábito nacional que parte desta estranha presunção: tirando eu, a minha família e, no caso de haver alguma educação, o meu interlocutor, ninguém trabalha neste país. Pior: que o bom trabalhador é o que não questiona e não contesta. São todos preguiçosos, queixinhas, piegas, fala-baratos. Enquanto quem o diz, claro está, se mata a trabalhar. Todos fogem aos impostos. Tirando quem o garante, como é óbvio. Todos são aldrabões. Tirando quem acusa, claro está. Endividaram-se porque foram irresponsáveis. Tirando quem o afirma, evidentemente. (...)"
(Daniel Oliveira; Falem muito. Sempre; na íntegra: aqui)

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