terça-feira, 23 de outubro de 2012

O seu a seu dono

O ministro da Economia, do Emprego e sei lá do que mais, Álvaro do Santos Pereira, na sua última intervenção na Assembleia da República, a que já me referi noutro local, afirmou, servindo-se do seu habitual estilo comicieiro, para não dizer de carroceiro, que "o Orçamento do Estado mais difícil dos últimos anos" "é a factura da festa da governação socialista", dando, com tal afirmação, dupla prova de que não é pessoa séria, pelo menos, politicamente,  uma vez que é economista e tem, por isso, obrigação de saber do que fala. Não pode, por isso mesmo, ser levado a sério. 
Na verdade, os factos mostram à evidência que o agravamento das medidas de austeridade contidas no Orçamento  apresentado pelo governo para o próximo ano, são, em primeira linha, resultado da acção deste governo que, não obstante o generalizado aumento dos impostos e do preço dos mais variados serviços e o corte de dois subsídios aos funcionários e reformado e pensionistas, foi incapaz de consolidar as contas públicas; de reduzir a dívida pública; e de conter o défice nos limites acordados com a troika.
Mas mais grave ainda é a falsificação a que procede em relação à história do aumento da dívida pública que ele atribui à festa socialista. É que, como o demonstra, com gráfico e números, este artigo de Manuel Caldeira Cabral, se "festa" houve, ela é, antes de qualquer outra coisa, uma "festa" cor de laranja.

Cito:
 "Nos últimos 30 anos, a despesa pública aumentou de 29% para 45% do PIB. Um aumento do peso do Estado na economia de 16,3 pontos percentuais, dos quais 12,1 p.p. (75%) aconteceram em governos liderados pelo PSD e apenas 4,2 em governos PS."

Volto a citar:
"Observa-se que os três períodos com maiores contributos para o aumento do peso da despesa pública no PIB foram os da Aliança Democrática (+4,4), os governos de Cavaco Silva (+4,3) e os governos PSD-CDS (+3,4).
Em conjunto, estes três períodos governativos deram um contributo acumulado de crescimento de 12,1 pontos percentuais do total de 16,3 p.p. de aumento do peso da despesa pública verificado nas últimas três décadas. O contributo líquido dado pelos governos liderados pelo PS foi muito menor - apenas 4,2 pontos percentuais (2,2 +3,0 +0,8 -1,8 = 4,2), cerca de ¼ do total.
Façam-se as contas como se fizerem, o contributo dos governos PSD representou entre 74% e 76% do aumento total, um valor três vezes superior ao acumulado pelos governos PS."

E, para surpresa das surpresas, importa citar: 
O governo de Sócrates destaca-se com uma descida do peso da despesa pública até 2008.

O gráfico, para confirmar:


O que ainda não percebi, culpa minha, por certo, é a razão por que, sempre que algum tonto vem com a história da "herança" recebida, não leva da parte do PS a devida e merecida resposta. Não digo que lhe enfiem aqueles números e o gráfico pela cabeça abaixo, mas, ao menos, que lhos plantem à frente dos olhos. E, já agora, que façam divulgar a verdade a toda a hora e em tudo o que é sitio. Doutra forma, as pessoas  são levadas a crer que são verdadeiras as aldrabices ditas pelo "Álvaro" e por mais uns quantos tontos. 
Será pedir muito?

7 comentários:

Porfirio Silva disse...

Francisco, é sempre preciso lembrar, sem dúvida.
Um abraço

S. Bagonha disse...

Evidentemente que a nossa "isenta e honesta" comunicação social vai fazer eco destes números, não vai? Ah, pois vai! E o Medina e o Crespo vão dedicar um programa a este assunto, com a colaboração do Bento, do Cantiga(s) e de mais uns quantos iluminados especialistas. E bem entendido o prof. Marcelo Banhadur vai servir-nos uma homília versando este tema. Eu para assistir a tudo até já fui ao Ikea comprar um banquinho muito, mas muito, confortável. É que, palpita-me, a coisa é capaz de levar uns tempinhos a sair.

Diogo Martins disse...

Sinceramente, o pior cego é o que não quer ver... Não defendo os actuais, discordo dos termos usados pelo Álvaro e também desta cassete estafada, mas a obsessão dos saudosistas de Sócrates é igualmente doentia!

Respeito muito o economista Caldeira Cabral, mas já na altura achei este artigo descaradamente tendencioso e falacioso. Por exemplo, esquece todas as crises anteriores! Como o choque petrolífero de 1979 e as crises de 1990 e de 2002 (pós 11 de Setembro).

Voltando a Sócrates, repare-se que o artigo é de Setembro de 2009 - algo desactualizado, portanto. Terá então sido por milagre que a dívida passou destes supostos 45% em 2008 para os actuais mais de 100%? Não!!
Entretanto, todos ou praticamente todos os valores de défice e dívida do governo PS foram corrigidos após a data deste artigo - para cima, obviamente. Por exemplo, na realidade em nenhum ano o défice foi inferior a 3%. A UE obrigou a maior transparência, foram incluídas as dívidas de empresas públicas de transportes, etc. Refazendo hoje este gráfico, já sem truques, a linha é bem diferente!
Depois temos 2009, ano de eleições. O défice previa-se abaixo de 3%, no Verão já seria 5% e parou nuns 10%! E em 2010 outro tanto!

Finalmente, a cereja no topo do bolo... A bomba-relógio das PPP, escondida, com o grosso dos encargos varridos para a frente!

Meus senhores, por favor não insistam. La vie en rose, c'est à Paris!

Francisco Clamote disse...

Caro Diogo Martins,
Como deve saber em 2008 desencadeou-se a "tempestade perfeita". Ainda hoje estamos sob os seus efeitos e dívida continua a aumentar. Ou será que não?
Quanto ás PPP, pelo que tenho lido, os encargos delas resultantes não passam de "amendoins".Sobra a propaganda.

Francisco Clamote disse...

Caro Diogo Martins,
Regresso à caixa dos comentários para lhe deixar uma sugestão. Leia o escrito (recente) de João Pinto e Castro que acabo de publicar num "post" intitulado "Desfazendo mitos". Talvez o escrito responda a algumas das suas interrogações a que eu, honestamente, não saberia responder.

S. Bagonha disse...

Oláááá!!! Parece que temos arrastadeira também por aqui.

Diogo Martins disse...

Caro Francisco Clamote,

Não respondi de imediato mas venho agradecer a sugestão de link, que aliás tinha curiosidade de ler e li com interesse.

No entanto, honestamente penso que o artigo de J. Pinto e Castro não acrescenta grande coisa. Sem rebater todos os argumentos, o que exigiria uma aturada pesquisa, refiro por exemplo que o autor refere a crise de 2008 mas esquece outras, como a de 1979 que terá certamente contribuído para o tal défice recorde em 1981. Enfim, adiante...

Concordo num ponto fundamental, o da severa falta de investimento em Portugal na última década. Incluindo, talvez, do próprio Estado. As consequências estão à vista. Intuitivamente, parece-me que o rapidíssimo alargamento europeu esteve entre as causas principais.

Voltando apenas ao ponto das PPP, repare que não são peanuts, de todo! Peanuts são as poupanças previstas pelo actual governo. Já os custos totais das PPP rodoviárias ultrapassam 1000 milhões, por ano! E ainda há as não-rodoviárias.
A propósito, um recente estudo da Ernst & Young aponta os encargos excessivos destas PPP para o Estado. E indica soluções possíveis, incluindo a nacionalização! Penso que a actual situação justificaria alguma medida radical, até mesmo essa.
Curiosamente, li que o principal financiador das PPP e um dos mais renitentes à sua renegociação é o Banco Europeu de Investimento...