sábado, 21 de julho de 2012

Oxalá fosse!


"Como já se percebeu, a 5ª revisão do programa de assistência financeira, agendada para Agosto, não vai ser igual às outras: o Eurogrupo ("sem que Portugal o tivesse pedido", na versão angélica do ministro das Finanças) instou a ‘troika' a assegurar que o programa português "permanece no bom caminho"; o próprio Vítor Gaspar entregou-se a um enigmático jogo de palavras sobre os objectivos desta 5ª revisão (destinada, segundo ele, a "melhorar", "favorecer" e "facilitar" as condições de sucesso do programa); as instituições da ‘troika' multiplicaram comentários, sinalizando que o momento é de grandes decisões; e até o primeiro-ministro, que marginalizou o maior partido da oposição nas quatro revisões anteriores, acha que desta vez é preciso envolver o PS.
Se perguntar não ofende, impõe-se uma perguntinha óbvia: porquê? Porque é que a 5ª revisão há-de ser diferente das outras? Se o programa está "no bom caminho", se a sua execução mereceu quatro avaliações positivas e se está tudo a correr tão bem, porque é que, subitamente, é necessária uma revisão tão profunda? A explicação é simples: ao contrário do que diz a versão oficial, o programa não está no bom caminho, a execução não tem sido assim tão positiva e não está tudo a correr bem.
Como sintetizou o secretário-geral do PS no debate do Estado da Nação, "os portugueses cumpriram, mas o Governo falhou". A opção do Governo por uma austeridade "além da troika", para além de contrariar as promessas eleitorais, foi um erro de tremendas consequências: gerou um tão elevado grau de destruição da economia e do emprego que prejudica gravemente a recuperação da confiança, sem a qual não é possível cumprir o objectivo de regresso pleno aos mercados em Setembro de 2013. Ao agravamento da recessão (-3% este ano) e ao disparar do desemprego (acima dos 15%), junta-se o fracasso no cumprimento das metas do défice que, apesar de todos os sacrifícios, aumentou (!) para 7,9% no primeiro trimestre (mais 0,4 p.p. do que no trimestre homólogo do ano passado). E não adianta negar: sem medidas adicionais, o Governo não vai cumprir a meta de 4,5% fixada para este ano. Por isso, a primeira decisão a tomar é sobre o que fazer com este desvio. Só que as coisas estão ligadas: se a ‘troika' for tolerante com o falhanço deste ano mas mantiver a meta para o próximo ano (défice de 3%), então o exercício orçamental de 2013, que já era difícil, tornar-se-á virtualmente impossível sem o acentuar da espiral recessiva. É por essas e por outras que na 5ª revisão está tudo em causa: metas, calendário, programa orçamental - e mesmo o eventual prolongamento da assistência financeira, ou seja, um novo pedido de ajuda externa.
E não se diga que o Governo "fez a sua parte" ao cumprir o programa previsto, pelo que os maus resultados hão-de dever-se a "razões externas". Pelo contrário: nem o Governo cumpriu o programa como estava inicialmente previsto, nem o agravamento da recessão se deve ao contributo negativo da procura externa líquida (até se regista um bom desempenho das exportações e uma forte redução das importações). O agravamento da recessão deve-se, isso sim, à queda abrupta da procura interna, que é consequência da estratégia de empobrecimento adoptada pelo Governo, bem para lá da execução do programa. É por isso que estes maus resultados derivam, essencialmente, de razões internas, ligadas ao excesso de austeridade que destruiu os equilíbrios, já de si precários, do Memorando acordado com a ‘troika'. Nenhuma revisão do programa de ajustamento será bem sucedida se este erro estratégico da política orçamental do Governo não for corrigido. E não será corrigido se não for reconhecido."
(Pedro Silva Pereira; "O bom caminho")

2 comentários:

Luis Moreira disse...

Francisco, por amor de Deus! desde março que se sabe que o déficite vai andar entre os 5.2 e os 5.7. E, sim, a execução é tão boa que estamos a pagar menos de taxa de juro que a Espanha : Neste momento o que corre mal é uma variável que resulta de uma década de não crescimento da economia. O desemprego! Em 31/12/2010 o desemprego era de 10.9% e agora é de 14.9%. Não há nada que mude a realidade, Francisco. Abraço

Francisco Clamote disse...

Luís não se iluda.Se a execução é tão boa por que razão o défice vai disparar? E volto a dizer-lhe que não se iluda no que respeita às taxas de juros exigidas à Espanha no último leilão, porque dizem respeito a financiamentos a curto prazo. Ora no curto prazo, Portugal oferece menos risco do que Espanha porque já foi objecto de "resgate", enquanto em relação a Espanha ainda não se sabe o que está para vir. Outro galo canta no que respeita a taxas de juro dos financiamentos de longo prazo. Como sabe, nos mercados financeiros o risco de "default" da dívida soberana portuguesa é muito superior ao de Espanha. E não sei se sabe que os credores estrangeiros estão a desfazer-se da dívida soberana portuguesa, mesmo a perder dinheiro. A fatia da dívida soberana portuguesa em mãos estrageiras é hoje residual. O grosso da dívida soberana portuguesa está hoje quase na íntegra em instituições nacionais. Há ainda outra explicação para a relativa melhoria verificada nas taxas exigidas nos últimos leilões da dívida portuguesa. Quem tem acorrido aos leilões são apenas ou quase só exclusivamente os bancos nacionais que vão ao BCE buscar dinheiro a 0,75% e cobram ao Estado juros à volta de 3,5% por cento. Um bom negócio, afinal. Dir-me-á: por que razão os bancos espanhóis não agem da mesma forma que o bancos portugueses? A resposta é simples: nesta altura,os bancos espanhóis não estão, pelo que se tem visto, em bons lençóis.