"Depois das ideias originais, mas que não eram boas, acerca das suas competências em tempos de crise, o Presidente da República acabou por fazer o mais previsível de todos os discursos. Um observador de curto prazo diria que o primeiro-ministro ganhou tudo o que queria. O Presidente nem se esqueceu de aceitar a mitologia de um "novo ciclo", em que cabe uma moção de confiança e, adivinha-se, a aceitação da remodelação que colocará Paulo Portas como número 2 do executivo. Foi pena que o Presidente se tivesse esquecido de referir que esta crise não resultou da falta de consenso nacional sobre a época crítica que se vive em Portugal, mas da ausência de uma vontade convergente no interior da mesma coligação a que agora dá renovado apoio. Exatamente três semanas depois da carta de demissão de Vítor Gaspar, a política portuguesa parece ter sido devolvida à casa de partida. Este Governo, com os mesmos homens e mulheres que o compunham (com mais algumas eventuais aquisições), vai ter de resolver a quadratura do círculo: reduzir 3% do PIB em despesa pública (os famosos 4700 milhões da alegada "reforma do Estado") e ao mesmo tempo entrar na desejada "fase de investimento", o que implicará, se quisermos passar da retórica aos factos, uma mudança, ainda incerta, da estratégia do diretório europeu na condução geral da crise na Zona Euro. Na verdade, esta crise fútil e vã, gerada por aqueles que agora são reconduzidos pelo Presidente à mesma responsabilidade de que não foram dignos, torna Portugal menos competente para ajudar a construir o consenso que verdadeiramente nos falta: o consenso europeu para nos libertar do labirinto onde todos nos arriscamos a perder o futuro."
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