quinta-feira, 18 de julho de 2013

"Compromisso? Para quê?"

"O apelo presidencial ao compromisso político de "salvação nacional" provocou uma significativa comoção e uma animada polémica na sociedade portuguesa.
Por princípio nada me move contra os apelos democráticos ao compromisso entre forças políticas diversas. O conflito e o compromisso fazem parte da matriz fundadora da moderna democracia.
É na natureza, objetivos e consequências do apelo presidencial que está a questão central desta inovação.
A crise política que irrompeu da paz podre em que vivia a coligação, com as demissões de Gaspar e Portas, não foi uma surpresa resultante de maus humores, infantilidades ou incompetências. Ela resulta da sua incapacidade de gerir o fracasso de uma política económica e social com mais de dois anos. Resulta da perceção, assumida ou não, de que o modelo de "austeridade expansionista" fracassou e que as tentativas de o remendar, que a maioria ensaiou entre a quinta e a sétima avaliação da troika, não são viáveis.
Acerca disto - da substância da crise - o Presidente nada disse. Muito falou acerca dos inconvenientes de chamar o povo a decidir, mas nada disse sobre os resultados de não o fazer.
Acredito há muito que Portugal precisa de um compromisso e existem muitos pontos de confluência na nossa sociedade acerca do presente e do futuro. Mas há dois aspetos em que esse compromisso não pode ser equívoco: a política económica e orçamental para 2013/14 e a gestão da dívida pública.
O único compromisso que serve a economia e a sociedade portuguesa é um compromisso para travar a espiral recessiva, a política de acrescentar mais recessão à recessão, para impedir novas medidas de austeridade.
A razão é simples: não há nenhuma hipótese de recuperar ou estabilizar a situação económica, de parar o crescimento do desemprego, se as opções económicas da carta de Passos Coelho à troika de 3 de maio forem concretizadas.
Relembro que, dos 4,3 mil milhões de euros que o ainda PM [primeiro-ministro] prometeu cortar para 2014, pelo menos 3,3 mil milhões são diretamente em salários e pensões. Para além dos problemas constitucionais de algumas das medidas, para além da sua brutalidade em termos sociais, tal significa uma redução do rendimento das famílias em mais de 2% do PIB. Se para o Presidente é isto o fechar do programa da troika, e nada nos sugere o contrário, então não falamos de compromisso, nem de salvação nacional, falamos de encontrar uma forma de prolongar uma política face à qual os seus autores ou não acreditam ou não têm capacidade de concretizar. Nenhum compromisso político alargado pode passar por aqui.
Quanto à dívida pública, poucas questões têm reunido uma convergência tão alargada na sociedade portuguesa. Ainda que com visões diferentes, vozes da esquerda à direita têm insistido na necessidade de renegociar os termos e o modelo de pagamento da dívida pública.
Esta convergência resulta duma verdade relativamente simples: os juros da dívida que resultarão da ficção do regresso aos mercados em 2014 e o nível dessa dívida que se arrisca a atingir os 140% do PIB, asfixiam qualquer hipótese de crescimento económico capaz de gerar os recursos suficientes para... pagar esses juros.
Qualquer compromisso que não seja construído com base nesta dura realidade e que não desista de construir uma outra saída, não será um compromisso mas apenas um ato de cumplicidade com uma perigosa ilusão.
Sim, Portugal necessita de um compromisso alargado para recuperar a confiança na saída desta terrível crise económica e para poder assumir sem hesitações a sua pertença à União Europeia e à Zona Euro. É certo que é preciso que da Europa soprem novos ventos. Mas até para isso, para ajudar a forçar essa mudança de ventos, um compromisso alargado é importante.
Um compromisso que mostre à Europa aquilo que, nela, tantos já sabem: que mais austeridade não corrige o défice nem trava a dívida, que uma quebra do investimento que em três anos recua em mais de um terço arrasa as possibilidades de recuperação económica e orçamental, que a destruição do emprego de forma brutal retira as bases mínimas de coesão social e que estamos demasiado perto de romper as bases do contrato social do Estado de Direito.
Um compromisso que mostre à Europa que é possível outro caminho para responder à crise das dívidas soberanas, e que não é aceitável que na União Europeia existam alguns que ganham com o sofrimento sem fim de outros.
Só assim será útil um compromisso democrático e nacional. Largo, difícil e exigente. Mas viável.
Dir-me-ão que este novo compromisso não é possível com Passos Coelho. É muito provável ou mesmo quase certo. Não ouviram falar em eleições antecipadas? Pois, é mesmo isso."
(J.A. Vieira da Silva, deputadodo PS. Aqui)

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