"Se o Governo fosse um produto transacionável, a ASAE já o teria removido das prateleiras da democracia e responsabilizado os partidos da maioria parlamentar que o suportam. Apesar de um prazo de validade nominal de quatro anos, este "produto" começou a dar sinais de degradação ao fim de apenas um ano, acabando por apodrecer ao fim de dois, isto é, apenas a meio do prazo.
(...)
A liderança, corporizada pelo primeiro e pelos restantes ministros, deixou dúvidas desde o primeiro dia. Entregar megaministérios a governantes inexperientes, sem peso político para se imporem perante os pares e sem o conhecimento necessário para trabalharem com os atores da sociedade e da economia é, naturalmente, erro de principiante. Mas o melhor diagnóstico deste elenco ministerial foi a imagem derrotada e acabrunhada da bancada do Governo no debate do estado da Nação de sexta-feira. Ministros que não se olhavam, um ministro demissionário que ao que parece tinha já arrumado o gabinete, outro que tem guia de marcha para ser substituído, outra que poderá ver o seu Ministério partido a meio, enfim, uma vergonha para a nossa democracia.
A ASAE é, neste caso, o presidente da República. E, ao contrário da atenta e diligente ASAE da vida real, Cavaco Silva foi dando espaço a um produto em decadência, ao ponto de, quando finalmente a podridão se manifestou de dentro para fora, ver o seu espaço de manobra muito limitado. O caminho, por muito que custe ao presidente, será fatalmente uma eleição antecipada, quanto antes, melhor. Porque em democracia não há artifício político que contorne o sufrágio. Tem consequências na execução do plano de assistência? Certamente que sim. Mas se há dois anos foi possível juntar as três principais forças políticas e negociar um memorando com a troika num quadro de eleições antecipadas, não vejo por que razão não se pode agora renegociar o programa de ajuda, envolvendo as mesmas forças, partindo para um ato eleitoral que nos traga um Governo mais capaz.
Vale aqui recordar o famoso artigo de Cavaco escrito em 2004, no qual recuperou a lei de Gresham para estabelecer o paralelo entre a má moeda que expulsa a boa moeda e os políticos incompetentes que expulsam os políticos competentes. O professor alertava à data para a necessidade de inverter este efeito. Pois bem, esta é a hora de, na primeira pessoa, o agora presidente protagonizar aquilo que no passado defendeu: substituir o mau produto, fora de prazo, por um outro com validade.
(José Mendes; "Governo fora de prazo". Na íntegra: aqui.)
2 comentários:
Cavaco ficará na historia
de Boliqueime
injusta mente
Cavaco já ultrapassou o prazo de validade, mas ainda há consumidores incautos, como o Seguro, que continuam a consumi-lo.
Enviar um comentário